sábado, 2 de maio de 2015

prato de dar fome

Escrever, em prato raso, é desvendar à mesa uma porção de si,
Que pode parecer ao convidado, que ceia sua prosa,
Um simples querer bem temperado com imaginação e paranoia
Ou fração desmedida de duvida sob medo requintado,
Bem cozido em banho-maria no infinitivo perpétuo da poesia.
No fundo, há o fato de que eu gosto de falar grego,...
De que, sempre que posso, mordo de propósito a língua ocidental
E mastigo-a, neste acidente, até que me oriente ao seu radical,
Até que seu prefixo se desprenda dos ossos da palavra.
Até desossar o termo composto à substancia do próprio sentido, 
E poder engolir, enfim, o sufixo sem lhe sufocar o gemido.
Talvez, no fictício, me falte aquela química perceptiva do real
Ou apenas os talheres certos para me servir deste mexido emotivo,
Desta mistura requentada de conversas que reviro por dizeres e sentidos.
Por ingrediente sincero ainda tão alheio aos meus verbos,
Ainda úmido no seio do personagem que despercebido se fez sujeito.
Quero degustar esta palavra ao ponto de quem ainda grita.
Sei, que de veras, a escrita dá razão, por uma infinidade de termos,
A todo enredo dormido, já sem sal, nada doce, nada terno, 
À escultura fria no mármore plano, réplica descritiva de sensação,
Que assume, como toda palavra, a mesma forma e nada mais. 
... E a emoção, por mais que eu não deixe de mover a colher de madeira,
Ao fogo, alto ou baixo, é poesia que não vinga, empelota.
Na teoria, a lente que é vidro de aumentar visão é quem ao olho cobre,
Enquanto a mão por libra tenta traduzir em gestos a mente,
Passando a limpo o que se junta a todo o resto na mesma fôrma...
Palavras apócrifas e póstumas servidas por petisco às traças
Que transam dramas e contos num cemitério de cadáveres encapados,
Onde tracei cada corpo por objeto num banquete subjetivo.
E, na verdade, a fome que não morre é quem se farta nesta emulsão
De loucura rítmica, que dá cor viva à estória substantiva,
Em razão agridoce, num vice e versa que consoa, por detrás no oficio...
... Tecla a tecla, por mais que dissesse de um sentir 
Não senti, em uma única, lhe tocar com as mesmas mãos,
Lhe ser afeto, em linhas contundentes, há provar neste abismo raso
Que nos separa simplesmente por anfitrião e convidado.
Hoje, me senti apenas um tanto eu, faminto, diante de um prato
Que, ainda que bem preparado, no meu palavrear não sinto a explicação...
E pensando no que lhe dizer não disse uma única frase sincera
Que lhe fizesse me entender por voz, ao invés dos dizeres...
Oferecia-me por pele e afago, por olhos atentos, mas não lhe vi ali...
Ali por hoje estava apenas Eu mesmo, esfriando.
E imaginando como era teu horizonte ao beber outra taça de vinho, 
Procurando a palavra certa pra sentir o teu suspirar,
Mas como descrever um suspiro ao fazê-lo palavra que não trago?
Ele age em silêncio e quem o sente é por que está próximo...
Não me veio à mão uma única palavra suficientemente expressiva 
Com a qual pudesse lhe fazer sentir meu gosto à língua...
Uma palavra tão quente, rente à boca, quanto o prazer que mastigo,
Que degusto, macio, tenro, despido ao paladar por comer...
Juro, que apenas por fome, profunda, não quis ver a folha vazia,
Que ela servisse para algo, mas faltou-me o sentir...
... Se, daí, encontra-lo “fantasiado” diga-o que mando lembranças.

_Claudiney Genilhu




"À medida que os sentidos avançam e se desencadeiam numa direção, 
o amor verdadeiro exaure e retira-se. Quanto mais os sentidos se tornam pródigos
e fáceis, mais o amor se contém, empobrece ou se torna avaro."
Charles Saint-Beuve (escritor e crítico literário frânces)



interpretação de texto

A crase sempre me pareceu ser um acento inusitado,
Uma acentuação rara, por vezes evitada ao longo de frases...
O crasear não assustava apenas os escrevinhadores sucintos, 
Pelo que lia seu uso era extraviado como os clássicos. 
No entanto este simples risco cada vez mais me chamava atenção...
Por sua inclinação contrária ao curso das palavras,
Sentia que ali este estivesse a mostrar-me outro sentido no verso,
Um sinal a indicar que algo havia ficado pra trás,
Que algum termo ainda merecia ser relido antes de ser significado.
Aos meus olhos ela era como uma sobrancelha erguida...
Levantando-me à incerteza por preceito ante a escrita tão concisa. 
Não conseguia vê-la como o pingo no i, por aforismo,
Como a sentença dada por um acento agudo a vogal de timbre aberto,
Nem como o chapéu de alguma vogal que se fechava, abafada. 
De longe me lembrava um til que, por estar acima da palavra, a anasalava,
Quase a engolindo, murmurando-a noutro encontro.
Ela era a crase, acento de esquerda, incitando revolução,
Lutando contra a inclinação que a pena expressava nitidamente possuir.
Que por versos, num beijo de Judas, a face traia seus princípios,
Em arranjos silábicos sendo enredo rumo à direita...
Num discurso cuja palavra final quem dá agora é a expressão constituída
E de acordo, mesmo sob a mão que, por coordenação motora,
A natureza concebera num drible a norma, ao ser mão de gente canhota.
- Até à quem é tão fácil ser contrário nossa língua traí.
Mas, de veras, Judas só é o mesmo quando permanece em silêncio, 
Onde teu nome mantém o sentido de “abençoado” e não o papel de traidor,
Resumido no todo por um único fato, enforcado num termo.
Como ser livre nessa estrada que sempre me deixa pra trás, morrendo?
Rumo ao infinito do não escrito, de um saber invisível...
Nessa prisão, escondido, atrás das grades verbais,
Da qual a gravidade horizontal não deixa a linguagem escapar, 
Atrás das sombras do que silenciei ao correr pro lado errado da folha
- Que só me fez ser cada vez mais um abstrato.
Ainda sim, cobiçoso, meu fascínio por este simples risco contrário,
Simples tracejo que clamava por sujeito e substância era cada vez mais claro.
Chegando às vezes a sonhar com o próximo encontro, 
Pois a crase tinha por papel, nestas linhas tão desumanas,
Fundir preposição e artigo no mesmo corpo, distintos, mas iguais,
Fazer da junção, que subordina o segundo ao primeiro,
E do termo, que antecede o substantivo por determiná-lo ou indeterminá-lo,...
... Carne da carne, duas vogais idênticas numa única face.
Ela me instigava a compreender de fato o sentido do declarado.
De reabilitar-me noutro olhar ao desvicia-lo do tóxico censo comum,
Ao fazê-lo dependente da química “papel, loucura, razão, lápis e grafia”, 
Ao inclina-lo, como a própria crase, à crença, à dúvida, à si
- Quem sabe ciscar nele, alheio, por qualquer lágrima, por oportunidade,
Pela, por menor, possibilidade de livrar-me do fardo
De me ver apenas por outro coitado ser descansando, cativo e versado.
Como a crase por ser, venho visitar-me de vez em quando em nós, 
Fazendo do chão apenas ocasião por onde meus pés vão significando.
Digo que nunca quis ficar aqui estacionado, ser bem pontuado,
Esclarecido, ajustado, conjugado ao tempo nesta plataforma nítida.
Ou ser por patente autor, explicar um pensar, convencer...
O que faço, na teoria, é ser crase, brincar de pique esconde, nas vias alheias...
Por desatrofiar os músculos estáticos da interpretação 
Recuperar aos poucos os movimentos dos quais o sentido se esqueceu...
De encontrar outra chance de ser real, mesmo nas mentiras.
... E me apagando cada vez mais nesse romance do diálogo...
Todo texto demarca, contextualiza por marcas algo ao que se recorrer.
E de todo texto há quem copie os conceitos, quem o resuma,
Mas também ao mesmo há de existir um outro que o leve por verdade,
Que, de suas mentiras confessas, o perdoe por enxergar 
Em meio as suas palavras, por atentar-se, certa menção de sinceridade. 
À toda palavra, ainda que posterior a seu próprio corpo, 
Cabe uma chance implícita dentre o que parece explicito no discurso...
Cabe a toda e qualquer a chance de reencontrar vida
- Ainda que a própria palavra exista, justo, por mecanismo 
Com o qual a dependência existencial leva-nos, frequentemente,
A verter o sentido sob uma fôrma irredutível.
Por isso, na prática, o que faço é fazer do nosso caso uma crase, 
Pois és para mim artigo definido, empregado por inspiração...
... E já eu não passo de dependente deste vínculo...
Uma preposição que como um vírus burla o firewall da alma. 
E quanto menos perceber-me, menos de mim terá do que se lembrar.
Vai ser como se nunca tivesse existido, além do intervalo,
Mas vou nascer no próximo cigarro que ascender, em sua boca, 
E vou me nutrir das informações sem ser forma.
Seremos dois unidos numa crase por não caber-nos separação...
... Novamente vou pensar,...
Mas vou pensar com você daqui pra frente.

_Claudiney Genilhu




“Um dia terá que ser admitido oficialmente que o que batizamos de realidade 
é uma ilusão até maior do que o mundo dos sonhos”
Salvador Dali (pintor surrealista espanhol)



Seu corpo, meu copo

... Fico pensando sobre o quanto deve ter sido difícil
Simplesmente ser esta você de agora,
Pois ainda tão pequena te arrastaram para fora do mar...
Para estas terras, que ao chegar, já as conhecera por mundo de ponta-cabeça.
... Veio-o por um pedaço de gente com a âncora partida, à deriva, 
A mercê das correntes do afeto, aportando de colo em colo, 
Do leito, antes abrigo, apartada e agora não mais que vestígio, umbigo.
Pequena parte de alguns vertida em criança por seio faminta.
... Uma boneca que tão cedo, antes de ser, já era a cara de sua mãe, 
Já tinha, antes mesmo de ver por si a vida, os olhos de seu pai,
À parte, sendo embrulhada, protegida por grades...
... Uma princesa de resíduos, de feições e genes emprestados,
Tão dos outros, como os vestidos sonhados bordados, enfeitados, 
Ou as primeiras palavras que lhe ensinavam por um repetir.
... E a fome, mal da falta, que logo mostra seus dentes, lhe fez esquecer-se do peito
- O Leite agora é um substantivo no corpo que morde e mastiga.
Por vezes fora um anjo, com asas armadas, de penas e pano, vestida como...
Noutras fora uma princesa menina com coroa de plástico,
Mas a boneca princesa, que mal aprendeu a andar, quis ser bailarina,
Ficando na ponta do pé, rodando com os bracinhos no ar...
... Fechando os olhos em sonhos enquanto girava, não o verdadeiro sorriso
- Pois alegria encontrou em sua boca uma janelinha.
Só que os adultos, que tem por brinquedo os menores, e são tão iguais,
Ao lhe ver transformar-se em mocinha, neste corpo tão pequeno 
Que a pouco aprendeu a reger, não perceberam esta você...
Apenas viram, como todos, um animal a ser domado, a ter as asas podadas,
Os cabelos por lacinhos domesticados e a brincadeira por intervalos.
... Teu corpo, agora de todos, vestirá seu primeiro uniforme, 
Sua altura agora é o que determinará sua posição em uma fila de distintos, 
Até seu nome se convertera em um número na chamada.
Tudo o que aprendeu a dizer agora deverá ter corpo, sob um molde,
Símbolo, imagem a ser copiada, seguindo linhas sob caligrafia apresentável.
E a soma destes desenhos palavra, logo frases legíveis...
Como perceber o espaço se agora será necessário saber separar a palavra...
E continuar na próxima linha sem perder o sentido,
Continuar a aprender o desaprender de sentir-se apenas você?
Se toda palavra agora notada passara a ser tratada de forma separada, 
Se todo o sentido passou a ser agrupado por matéria específica,
Se toda distinção agora será cobrada a tantos sob o mesmo uniforme?
Como sentir-se alguém se a esta altura toda pele passou a ser o melhor definir?
- Pele do sentido, palavra, pele da menina, moça, pele, individuo.
Se o que lhe aflorava pode agora ser avaliado como interpretação incorreta,
Se a própria percepção deve seguir então uma idéia correta,
Se os pontos não serão mais para remendar os vestidos de menina ou os cortes?
Ou as ilusões com que, ainda pequena, lhe vestiram?
Como sobreviver ao descaso que manipulou tanto sua originalidade?
Agora, já garota, que se passa em seu peito não importa 
- Peito de garota deve ser volume pelo qual se cativa atenção dos rapazes.
Garota... ser num corpo que parece concorrer com tantas outras...
- Ainda que sobre o mesmo uniforme, a olhares alheios.
Antes, menina por um útero formada, arrastada, se arrastando...
Engatinhando, de vida e sonhos engatilhada...
Agora, garota, para todos, por se formar, armada até os dentes por correções, 
Por um corpo, agora docente, que lhe ensina sob a grade das matérias...
Como ser diplomata neste mundo em que a você de antes passou a ser interina?
Hoje vejo mulheres, que livres da obrigatoriedade dos uniformes, 
Ainda sim, escravizam-se a qualquer amor que se alimenta apenas de olhares...
Às vezes tão mais agressivos com elas, quanto qualquer agressão física, 
Às vezes sob uma auto-agressão de estima a qual não se aplica a “Maria da Penha”.
Não sei o que é ser mulher nestas terras onde nós meninos, 
Ainda que também do mar trazidos, aprendemos, ao mesmo tempo que desaprenderam,
A nos vermos, ainda aqui neste novo mundo, sempre predadores...
Depredando patrimônio por acreditar que tudo que vemos, por estar à vista, é público.
Não sei como alguma possa a “ser” depois de por tanto tempo ser copo a todos,
Nestas terras onde você sempre será o que parece ser, 
Ser um simples verso denotando a idéia coletiva, sob linhas e métrica,
Ser uma tela morta, à mostra, pela qual se passam os olhos,
Uma amostra de outro corpo hermético, vendido por imagem virtual dos elogios.
Onde você sempre será o parecer nessa moda de ser,
Parecendo tão atraente quanto a qualquer corpo formado...
Formatado para instalação de um sistema mais operacional e estável.
Não tenho idéia de como deve ser para uma mulher que dobrou-se, até então como pôde, 
Que adestra à força o corpo-carne que não lhe cabe, 
Que não lhe torna aos seus próprios olhos imagem olhável...
Que hoje sonha retraída em si com contornos de um corpo definido por imagem.
Não sei como?... por isso lhe cabe tirar, ao menos uma vez, vantagem.
Aproveite que tenho um pequeno problema de vista 
E esconda meus óculos para lhe ver melhor...
- Não precisa deixar teu corpo à vista também, pois não chego a ser cego.
Deixe todos os espelhos inteiros, mesmo os que não lhe couber... 
Se é pra quebrar alguma coisa, atire tua beleza nos conceitos,
Despedace os moldes e molduras com sua impossibilidade de plágio.
Por fim não me leve a sério, pois sou rapaz, moço, homem - nasci errado.
... E não perca seu tempo tentando me corrigir,
Mas se puder me ensinar algo, que seja, desde que não seja mais erros.
Me ensina você, esta você de agora...
Que gosta de boa música...
Onde as notas se juntam para compor abstração de sentido e sentir,
Que gosta de dançar mesmo sem saber...
Onde seus movimentos se articulam, onde pronunciam o silêncio 
E revelam-lhe um corpo interdependente, ainda que composto por tantas partes.
Me ensina a amar esta você...
- Vai que eu aprendo?!

_Claudiney Genilhu



caneta

... E quando finalmente meu cansaço experimenta o silêncio,
Quando enfim cala-se o som é que decide falar-me mais alto...
Querendo despertar-me as mãos às tuas mazelas...
Dizendo que a solidão sofre mais pela ausência das palavras
Que pela companhia que faz a escuridão...
Dizendo-se incompreendida pelo criado-mudo onde pousa, 
Que ali, como garrafa fechada, seu pedido de socorro 
É quem se fez náufrago.
Mas lhe dar ouvidos é fazer do pensamento réu confesso, 
É prendê-lo aos poucos pelo sono roubado
E não ter como negar ter agido como cúmplice neste assalto ao espaço,...
Ao vazio, por lhe tirar tudo, ao lhe entregar uma porção de palavras...
Uma a uma.
Se não há nada a resolver não nos resta apenas calar e ouvir à quietude?
Se até o Sol a estas horas dorme, por que não fazemos o mesmo?
... Certo. Também me parece tarde demais agora
Que percebo as unhas sendo ruídas, uma vez que as poucas defesas
Jaz em ruínas...
Porém, lembre-se que, premeditamos despedaçar esta sensação viva 
E estamos a um passo de deixar a arma do crime bem à vista.
Por isso nada de titubear ou de soluços, nada do verbo tirar cochilo...
E nada de me fazer de vela enquanto beija a face maculada do papel...
... Eu estou contigo.
Vamos desamassar a mágoa, desembrulhar a vida, despejar as estrelas
- Aquelas que furtamos e deixamos escondidas, sucumbindo.
Nada de gemer enquanto com sua tinta inunda a folha, 
À medida que desafoga-me a mente,
Que fala-nos a todos e a ninguém, que falamos a quem não pode nos ouvir. 
Vamos contar as verdades aos que nos derem o desconto 
Das mentiras por fantasia,...
Por metáfora, por afeto, por sentimento capaz de trazer lágrimas 
Àqueles que já secaram...
Por ousarmos na lousa resgatar os sorrisos aos que se apagaram.
Por esta noite, ao menos, em que pegaste-me pela mão 
E que a você acabei por me render 
Está proibido o medo de nos entregarmos a dor 
De estar beijando outra boca, de estarmos noutra pele a nos confundir, 
Pois quando escrevemos apenas dançamos...
Por nós mesmos, por trazermos aos passos pingos de verdade...
Por contarmos como é por dentro do coração mudo 
Daqueles que querem deixar as recordações, 
Por não ouvi-las bem, endereçadas ao esquecimento.
Tanto você quanto eu entendemos, que há coisas 
Que devem e merecem ser guardadas,
Mas à memória cabe tanta consulta que estas, para facilitar-nos, 
Precisam estar devidamente catalogadas para que sirvam, 
por mais fundo que estejam... 
Por importante lembrança de que passamos por aquilo e que sobrevivemos.
... Pois quando a caneta escreve não mente...
Quando a gente chega a ponta da caneta deixa de ser mente...
E misturados nos deitamos fora de nós, fora da cama, fora da mesa,
E por fim descansamos ao tempo sem fronteiras,
Por outros nos entregarmos à cada palco aos quais carregam-nos, 
Pois já nãos nos cabe mais estar dentro deste compor
- Que a nós venha a nos reduzir... 
Se cabe-nos algo, comecemos, ao menos, por pedido de desculpas,
Por desfazer a culpa ao declararmo-nos inocentes,
Por sermos apenas palavras, agora, suaves 
Assim, como cada amor que venha a então passar...
Beijando as folhas por flor, adormecendo ao papel branco por repouso
Sem deixar manchas ou marcas, que não os riscos das palavras...
Dos versos das canções sem som...
Que não façamos desenhos do que não é mais que outro esboço...
Se é pra rasgar o verbo, gastar a tinta, passar a noite em claro,
Pra que se preparar tanto pra vida com ensaios 
Correndo o risco de ficar no rascunho?

_Claudiney Genilhu




“Se você não consegue entender o meu silêncio de nada irá adiantar as palavras,
pois é no silêncio das minhas palavras que estão todos os meus maiores sentimentos.”
Oscar Wilde (escritor, poeta, dramaturgo e advogado britânico)



convite à pele

Cada vez que alguém me diz “a vida não tem sentido”
Ou mesmo quando me pedem um conselho, como se todo fosse apto a solução,
Sou tomado por um desejo quase incontrolável de pegar estas palavras,
Ao invés de vomitar as minhas, e atraca-las no primeiro papel, 
Construir um texto que retrate, sem fazer-se ilusão, algo concreto aos olhos,
Algo visível, não entidade ou palavra encarnada, mas, em particular, impessoal...
Faze-las protagonistas e vítimas das próprias possibilidades alegóricas.
Palavras são dinâmicas, modificando seus rumos por ação da força que se faz crença,
Assumindo som mais intenso, quase desfecho do que ser simples trecho,
Do que apenas vozes claras e não uma neurose manipulando o enredo ou seu conteúdo.
Palavras alheias sempre me vem por amplificar o pior de mim, 
Traduzindo-me por fracassado se ouso atirar-me à defesa de qualquer tese,
Seja moral, lógica ou mesmo a tese confusa da razão...
... Prefiro de veras deixa-las ocuparem o próprio papel que têm.
Não me atrevo a convida-las por senhoras, por verdades ou ideais oficiais,
Pois não passam, de fato, de palavras no ofício, sintomas de si...
Podendo ou não consistir-se em um indicio de doença que altera a percepção do corpo,
Do que diz ao se fazer registro, mesmo sendo que, ainda, toda palavra,
Dita ou escrita, nos faça crer num discernir, quando não passa de corpo, metabolismo vivo.
E, se até as palavras podem ser assoladas por pragas, uma vez que tem corpo, 
Que dizer então de quem tanto deseja estar à boca, na mente, ao desejo, à pele de outro.
Que tão estupidamente almeja assumir as formas passíveis à atração 
Dos olhos rasos de quem não ensinou se quer a lhe ver...
... O que os olhos, que não passam de espelhos permeáveis, 
Absorvem não é desperdiçado, mas desperdício também pode ser lição, e logo conceito aplicado.
Como pode a vida não ter sentido se até a palavra, que é desprovida deles, os tem... 
... Nos afaga mesmo sem mãos, experimenta o papel mesmo sem paladar, 
Verbaliza todo aroma mesmo sem olfato, não tropeça, salta, por enxerga a vírgula, 
E prova que até o pensamento escuta, por que toma nota...
E seguem por linhas, fazendo do sentido sensação aos olhos, espelhos,
Permeando-os pelo que são: palavras que fisgam até no raso alguma coisa de nós.
Quem se aceita, não precisa cobrar aceitação, não precisa se fazer miragem,
Não precisa de outros traços ou outra pele para se fazer superfície ao afeto.
Sei que parece confortável poder atribuir culpa ao olhar dos outros,
Mas se não passam os olhos de espelho, não refletem eles apenas quem a eles mostra?
Se o que não agrada ao alheio lhe desconforta, e justifica com isso 
A necessidade de fazer ajustes e assumir a fôrma, que nada mais é do que se conformar 
À visão do outro, ao invés do conforto que o “ser” lhe oferece em próprio corpo?
Quem habita esta casca é a estima do outro?
Por que? Se “estima” será sempre um valor aproximado, para mais ou para menos,...
Se só cabe você neste corpo, pra que dar espaço aos outros?
Se ser você é algo que a ninguém mais cabe?
Como viver uma estética, um bem-estar, ao estar ensinando os olhos alheios
A ilusão de um padrão que reflete a insatisfação de ficar em si...
Querer que o olhar enxergue medidas por padrão, por perfeição comum.
Pode até parecer conselho o que digo, mas sinceramente 
Não desperdiço-me nestes, ou as palavras, que são apenas o próprio corpo.
Uso-nos em ficção, na construção sem métrica que costura em simetria versos por tato,
Nas correntezas, sem tirar e nem por, que descrevem dimensões poéticas...
Por formão que apenas despe a medida exata, à proporção precisa da divina surpresa, 
Fluindo por linhas, as quais sei que cabem um início e fim, e ainda sim
Desfrutando de todo espaço que nos couber...
Correndo por entre as pedras, deslizando pelas folhas que não mensuram-nas.
Gosto de palavras, pois não dão ouvidos as críticas sem sentido,
Por darem o próprio corpo por sentido a opinião sem fazerem-se regras...
Pela beleza que revelam ao assumirem-se como são aos olhos, às penas e ao papel.
Por seguirem-se em linhas...
Linhas do pensamento, do tempo, linhas do poema, linhas do deslimite...
Se é pra ser palavra, não as que outros dizem, que seja pelas linhas...
... Pelas linhas das mãos, pelas linhas que se fazem veias onde corre a vida,
Pelas linhas dos lábios que proporcionam sorrisos, ou mesmo pelas linhas da face
Que ensinam o caminho às lagrimas...
Pelas linhas que nos fazem únicos e originais, pelas linhas 
que só conhecem o carinho...
Pelas linhas hiperbolicamente natas que vestem o linho
- Afinal, que linho, à mais humilde pele, deixa de vestir por elegância.
Que linho deixa de vestir a pele por conforto quando nem ela 
Se faz por causa de irritação ou alergia de si. 
Que linho, acima da pele, que molde-se a silhueta do corpo, deixa-o de vestir 
Por segunda pele sem afetar os contornos, sem limitar o corpo,... 
Pois até o linho, tecido de inúmeros fios, pele concebida no tear de linhas,
Não passa de vestes, e quem as veste é o corpo...
... E ao corpo é o linho quem se ajusta, não o contrário.
Assim como o sentido à qualquer palavra, que será sempre o corpo...
... Então se for pra ser palavra, que seja, mas lembre-se que esta é corpo,
Que veste seus próprios sentidos, ainda que seja vestes às linhas.

_Claudiney Genilhu




“O senhor desde sempre apaixonado pelo meu traje. E como o senhor era dócil, obediente …”
A Vênus das Peles (Sacher-Masoch – escritor e jornalista austriáco)



amor é questão de mecânica

Amor? Se faz Amor?
Há modelos para todos os gostos e bolsos, 
Inovadores no designer ou simplesmente do tipo retro.
Exóticos, esportivos, utilitários, modificados, protótipos, micros, 
Fictícios, platônicos ou do tipo que te deixa de 4 - e por 4 ei de ficar.
Em cores metálicas, básicas, texturas, primárias...
Vendidos à vista, por consórcio ou em parcelas a perder de vista.
Todos inteiros e novos quando deixam a linha de montagem,
Produzidos em massa, produzidos em escala.
Encare todo teste drive com seriedade, 
Para não correr o risco de ter que conviver com um modelo 
Que apresenta alguma característica que você não tolera...
Por isso é importante planejar um trajeto 
Que contemple as situações de seu dia-a-dia.
Afinal, se não deixou de sonhar com aquele modelo do outdoor
Por que agora ele não pode ser teu?
Fez todas as aulas, ensaiou, tens na mão habilitação.
Por que não, se deixou uma vaga em seus sonhos para estacioná-lo?
Amor? Sabe o que é?
Se consiste o amor na troca de fluido pelo contrato, 
Quando o tato se faz atrito e contato em seu mecanismo, 
Pode ser que um dia fique com nível baixo...
... E lhe exija mais cuidado para não fundir o coração.
Então, cuidado contigo pra não ficar fudido! 
Cuidado para não errar a marcha confundindo um sempre por infinito, 
Pois todo sempre, no fim, também pode morrer ante o ponto final.
Ter no tanque combustível pode até lhe parecer o bastante, 
Mas procure prestar mais atenção ao que se esconde sob o capô.
Mais cuidado consigo para não ter de vir a empurrar,
Para não levar além o que veio a pedir por acostamento ou reboque. 
Que prazer haverá a quem chega cansado ao destino?
Se o coração não sai do lugar o que há de se fazer agora 
Além de se ligar o pisca-alerta e sinalizar a pista aos que vem?!
Deixe passar, mas não deixe de acionar o socorro
- Afinal, o Seguro serve para cobrir, e não cumprir carência.
Amor? Tem conserto?
Bem, se chegou ao ponto dele lhe deixar tão mal, ou na mão desta vez, 
Antes avalie se é caso de remediar, faça orçamento,
Só não tente dar uma de mecânico se não o conhece de verdade, 
Pois é fato que ficar na mão é um prazer solitário 
Que goza apenas que tem as ferramentas e sabe usá-las também.
Coração é assim mesmo se não apresenta defeito de fábrica,
Se nada antes foi diagnosticado, foi o tempo quem o fez ser ultrapassado...
E passado é marca no asfalto de quem pela vida saiu.
Há de se restaurar ao menos as funções normais do que foi danificado.
Amor...
Encare: a mor falha pode ser a de se esquecer de fazer revisão.
Se foi feito, cada peça teve seu ajuste e torque,
Por menor que fosse cada uma lá esteve por ter aonde se encaixar...
E pelo convívio que se pode perceber o trabalho que deu.
A todo instante, incessantemente, repetir, se encher, 
Comprimir, explodir, expelir, em ciclos constantes e distintos...
Vertendo a mistura pelo escape de água e veneno, 
Que se filtro não soube como agir deixou enfim chegar ao ar.
E se engana que pensa que não importa o que aprende o coração a soprar, 
Pois mesmo que silenciosa, sem tirar o sono, toda confusão
É composição que uma vez lançada pode sufocar.
A mor questão para com o coração é revisar o amor que contém
- Até se lhe enganam com algo adulterado.
O cuidado é meio para entender como ele funciona ou não.
Se perdeu o desempenho poderia estar fora do tempo,
Se puxou para um lado, há muito, poderia estar desalinhado,
Se lhe faz sentir no buraco, antes se fez ao pneu furo por onde escapou, 
Se consumiu-lhe muito mais do que devia era problema na injeção
Onde a faísca tinha mais para inflamar do que o peito suportou. 
Amor? Não se acostuma mal!
Cuidado com o descuido que nos ensina a arriscar o tranco,
A descer ladeiras em tempo de quebrar o arranque...
... Arrancando-nos mais do que do lugar.
Basta a devida manutenção.
Nem todos são do ano, nem todos são zero quilômetros, 
Nem todos iniciam por um clique no botão,
Podem até trazer, por quem se arriscou, alguns riscos na lata...
É primordial entender que a simples trocar a relação nem sempre é solução, 
Pois ela serve apenas a transmissão...
Se for possível, ainda, revise antes de tudo os vícios na direção. 
Amor? Também tem vida útil.
Por isso não se engane ou espere que ele caia aos pedaços...
Que ele perca muito mais que seu valor de mercado.
... A mor questão do amar não é saber simplesmente como ele anda,
Mas também até onde ele pode te levar.
Rever para preserva-lo, fazer de tudo para continuar original?
Tudo bem, quando ele ainda é possível, passível de correção...
E não substituição - afinal é amor.
Se não dá mais, não lhe cabe o desprezo ou desdém, 
Quem dirá sucateá-lo por peças de reposição.
Guarde contigo, com o cuidado que faltou, apenas o lucro...
As viagens inesquecíveis, as companhias que seja.
Apenas não leve consigo o medo de olhar no retrovisor,
Ou o vício de fazer uso demasiado de seus reflexos,
Pois, por dar agora tanta atenção ao que ainda não cabe revisão
Pode acabar se esquecendo das coisas triviais:
Todos tem para-brisa, todos tem para-choque, mas não pára de ser pra frente.
E para vida sem lamento qualquer lugar é adiante, 
Para quem sabe de verdade o que é o Amor
Qualquer partida é chave que leva sempre a próxima viagem...
... Faça chuva ou faça Sol.

_Claudiney Genilhu



“Se as duas pessoas se amam, uma à outra, não pode haver final feliz"
Ernest Hemingway (escritor norte-americano)


duvidas em certa conversa sobre incertezas

... “Como se eu estivesse muito pequena, tudo ao redor muito grande, 
algum lugar escuro, porém, que querendo ou não me sinto segura...
... A imagem que veio mesmo no momento foi de uma floresta 
e no meio uma linha de trem, como se fosse um fim de tarde”...
... As disse, e mesmo sendo-me um tom ausente, 
Sendo-me um segredo às recordações 
o timbre que as dita aos meus olhos, escutei-as...
confesso, juntei-me em ti ao longo da breve conversa...
... Mesmo sem tua voz para acalentar-me lancei-nos nestas palavras
que pareceram-me assentar tão bem a folha branca, 
convergindo-nos por converterem-se em cifras, por canção íntima...
vestígios de uma partilha que uniu-nos em um diálogo...
conjecturas impressas do que duas mentes alheias não ocultaram.
Daí, mesmo sem som pude ouvir no silêncio 
a saudade implícita em teu nome,
um termo tupi que intitula todos os dias o corpo visível a noite. 
Estrela... astro que se veste aos olhos do homem por corpo luminoso...
ao mesmo homem que se encanta pelo brilho aparente, 
ao nativo da terra que lhe reconhece apenas pela presença distante,
enquanto de veras arde bem mais em si para chegar tão longe e ser percebida,
ainda, que por centelha em meio a escuridão que se fez sombra do dia.
Estrela... que dança no avesso da clareza, na outra face desta prosa,
um cadente enredo de palavras que remendo ao papel tão alvo, sem manchas.
Palavras que envio a quem se sente tão à vontade ao se fazer fruto,
minúsculo, aos olhos de um aborígene, segurando-se 
as copas altas do céu noturno,
e, ainda sim, caindo-me, inesperadamente, agora por inspiração...
por alguém a reduzir as distâncias entre a imagem e minha imaginação.
... E mesmo desconhecendo tua pele, contorno que encarna-te por superfície,
por escultura das metáforas que tornam mais vivas as idéias, 
pude vislumbrar teus sentidos e incorporar em mim o reflexo de outra pessoa.
... Talvez, até certo instante, quando lhe ofereci minhas palavras, 
Talvez de fato, houvessem papéis definidos, lados opostos 
num assunto agradável, 
mas bastou retribuir-me por palavras, ditas escritas, para em certeza
não ser mais onde veleja a nau que versa, quando posta ao papel, 
o pensamento...
Quem antes, diante de outra folha, era plateia, pode ver 
perspectiva do um novo interprete,
que adentrou ao palco, já tão cheio do vazio, iluminando-o 
por se fazer holofote...
contracenando com o espectador que não marcou tal encontro...
que deixou teus traços tão presentes, ainda que ausente, 
quanto o “querer ouvi-la”.
... E foram as palavras trilhadas, vistas, relidas que encontrei por via,
por rumo em meio a tantas copas e altos corpos, oriundos 
de minúsculas sementes,
que hoje são poema escrito a apontar para o céu, ainda que enraizados...
... Florestas de verbos em folha, dançando aos olhos, 
como a chama de uma fogueira que se alimenta da lenha 
e ao crepitar lança ao ar nuvens e mais estrelas...
Inspiração ou apenas a mente querendo ser vista de forma mais expressiva?
Ser mais que aparente incerteza ou mera força de expressão?
O que me diz? Se é a concepção de certeza por verdade 
que leva toda chama às cinzas...
e a incerta aragem é quem por vezes leva-nos mais além.
É certo neste momento que a ponta do lápis que corta a folha, 
que lhe abre veias, ao mesmo tempo que esvai-se em pó 
é quem nos registra aos seus termos,
mas quem dentre nós a estas palavras acrescentou o eco?
Seria o mesmo que faz dos dedos pernas e pés 
às cordas do violão, dançando,
e estas por par, por corpo a vibrar sob a dança, por som a compor?
Quem faz do pavio, em combustível sólido, uma candeia incerta a dançar
por luz com todas as sombras desproporcionais 
aos sentimentos em um quarto?...
... O que é a certeza senão a adesão a uma idéia absoluta 
que desconsidera a possibilidade...
que faz do Guarani uma língua extinta, tal como toda chama...
que faz do guerreiro apenas adjetivo que nada adiciona à 
substantiva guerra do encontrar.
... O que trazes no nome é seiva do que de fato poucos realmente querem,
Pois aplainam a terra, ceifam florestas, represam os rios, 
fazem retas por direção, 
mas, como crianças aprendendo a andar ainda, se machucam nas quinas, 
as mesmas quinas que as águas e tempo de forma nata amenizam...
que, como pequenos que são, se ralam na queda, a mesma queda 
que todo curso tira de letra...
e por se fazer cachoeira nela se torna espetáculo...
... queda d’água.
Ou, mais próximo, como uma oferta de palavras minhas que agora
não são mais as minhas mãos que dão forma ou sentido, 
e que nem por isso as omito.
Sinceramente, meus passos, ao longo da curta vida, aprenderam algo:
A certeza é uma idéia que por se cansar de procurar pára...
A duvida, que tem um pé atrás, é contrapasso 
que avista sempre um pé adiante...
E a incerteza é um dos poucos espaços que em-certeza 
se tem consciência de não andar,
um dos poucos palcos onde não há o engano de ser o que não se é,...
mas como em todo tablado alto aos olhos, como o céu às estrelas, 
cabe-nos quando em movimento,
por estação onde se permanece apenas à espera do próximo trem...
... que nos levará a algum lugar, mesmo sendo-nos os leitos vagões, 
vagos ou não. 
Carruagens de caminho de ferro escalando as escadas deitadas, 
onde viajam todos os sentidos puxados por loucos-motivos 
à frente do comboio...
... e aos nossos olhos a percepção do caminho, aos poucos, mostra-nos 
que muito mais tem a viagem a nos ensinar do que propriamente 
a decisão por destino,
que a indecisão só cria forças quando não se alimenta a chama a do querer.
Afinal, o que é a indecisão senão o pôr o que tanto se quer 
à prova de escolha certa?
... E o que é o querer senão mais do que força de vontade: querer é poder.
Mas não um poder com que se vence, e sim um poder que se diz 
não mais do que pode ser
- que nunca será certo ou errado, apenas opção, 
apenas ato de conceber mudança.
Há quem queira mover montanhas, e há quem as perceba enfim moverem-se, 
que por maior que pareçam ao olhar ficam para trás 
à medida que seguem sua viagem...
- a qual revela aos olhos de passagem a paisagem antes incerta
que estava à sua sombra, e não à ilusão.
Ilusão é dizer, ao estender as mãos, que uma estrela 
é um ponto branco brilhante na imensidão dos mares do céu,
é ousar mensura-la com base no que se vê, 
mesmo que ainda desconheça a real distância a que se está...
... distância que faz dos dois incertos em algum lugar.
Como as primeiras naus, sem estradas ou caminho, 
com o nada a sua volta vestindo escuridão, apagando os horizontes.
E quando certos de estarem perdidos na duvida de um rumo
surgiam no breu, aos olhos, estrelas para distinguir origem de destino...
reascendendo o querer dos que não desistiam...
orientando, ensinando a clareza à vontade, mesmo sem enxergar a diante.
Talvez por que toda ilusão, que não é clara, precise tanto de luz,
que diante, hoje, de uma estrela, e por não conhecer a distância métrica, 
uma vez que não percorre-se esta, tanto se paute pela óptica...
... uma ilusão de óptica que engana por fazer-nos ver coisas 
que não estão ainda presentes, criando sombras de um futuro desconhecido
sob dimensões que amedrontam por se alargarem,
ou parecem certas por se contraírem, por aparentarem encurtar-se.
Porém devo dizer, por mim, que a sombra ao meu encalce, 
que até então nunca me abandonou,
todas as vezes levou-me a mim, e fui eu quem a levou a ser maior ou menor...
à medida que me aproximei ou me distanciei do que acreditei querer.
Então a percepção mostrou-me outro segredo que nunca esteve guardado, 
Que a sombra sempre se fazia maior e mais assustadora 
à medida inversa da distância que estava do meu querer e não o via
- pois sobrava-me crença, e por desejar a certeza 
faltava-me ao querer a ação do saber...
Faltava-me saber...
... e o que é o saber (verbo infinitivo) de fato senão 
o simples conhecer (verbo no futuro).
A mim, bastou deixar de lado meu acreditar e buscar cada vez mais 
saber do meu querer...
e assim, como as montanhas, vi que, ao mesmo tempo, a sombra que crescia
era sempre a mesma que ficava para trás,
e que meu querer, o tempo todo, esteve um passo à minha frente,
não distante, apenas a frente. 
Ah! Estrela tupi-guarani, se tinha de veras alguma duvida quando escreveu-me
“... Não sei se isso tem alguma relação com o que disse...”
espero que ao menos esta duvida não exista mais, 
não depois cair-me nestes versos, por cadência ser-me oriente, leste nascente,
não depois desenhar-me o pensamento até à encosta desta conversa...
pelas palavras que disse e pelas que leste nesta noite...
- afinal, o próprio diálogo em si já é uma relação de descobertas.
E sei, um dia eu também serei estrela, ainda que apenas no palco da vida,
mas que eu chegue até esse dia sem carecer do céu aberto
ou do sonho de chegar a ser Sol (estrela do dia).
Que me baste ser a chama de meu querer, como a vela que queima a si, 
que dança movendo as sombras a sua volta, 
que me baste ser astro em palco, quem chegou enfim ao destino antes do fim, 
que pode compreender de forma livre como se mover, se estender,
ir até as pontas dos dedos, a se expandir como toda bailarina...
... que sente-se à vontade diante do público, sendo flexível, 
vivendo os improvisos, 
lançando-se em cada passo, alcançando-se, desprendendo-se 
ao conter-se, sentindo-se... 
e por isso é quem supera-se, experimenta-se em relação ao espaço,
não se regra ou se desperdiça, dança com tudo que pode o corpo sem se despedaçar...
... atira-se aos olhos por gestos e giros sem se repetir...
e entende que nunca dominará o certo ainda que articula-se o bastante 
para com o viver sobreviver a todo medo de decidir, 
ou para conviver com os hematomas recorrentes de quem às vezes ainda peca
ao confundir o pé, erro apenas por decidir pela indecisão, duvida 
- que executa precisamente todos os passos que ensaiou com a frustração.
Que teu querer se faça atitude à qualquer caminho ou escolha.
Que teu querer dance, mas dance de verdade mesmo, e não de certezas...
por que se há algo de certo é que toda duvida é feita de restos
e que não há duvidas de que a certeza lhe tira a opção, sem conversa...
já a incerteza lhe oferece “o que pode ser” mesmo quando todas as cartas 
ainda não foram viradas
- e isto não é questão de sorte, pois há risco no mesmo baralho.
Talvez por isso a incerteza embaralhe à vista, 
que por confundi-la por medo ou ilusão se desisti ou segue, 
sem se atentar que tudo à sua volta nesta hora é parte do jogo,
e quem marca as melhores cartas é nesta mesa não mais que trapaceiro.
... só permanece na mesa quem está incerto, que não tem certeza da vitória
ou duvida da existência da possibilidade de vencer.
Sua vontade sempre o leva a surpresa, seu querer não define fins,
e ainda sim ele sobrevive ou convive, coexiste e vivencia os conflitos.
Estrela... talvez ainda não saibamos a que distância certa estamos,
qual será a dimensão precisa das nossas escolhas,
nos cobremos demais sobre um débito que ainda não contraímos...
porém, a vontade, iniciamos uma conversa não definida.
Diálogo simples sobre certeza, incerteza e duvida,
com palavras indo, palavras vindo...
desenhando frases, dando corpo as paisagens imaginadas, 
descrevendo a visão, deixando sentidos em cada palavra dita,
que apenas o tempo da troca de palavras as pode nos revelar...
e revelar-nos um ao outro...
Por nos permitirmos valsar esta dança de palavras soltas 
amarramo-nos a uma breve viagem, contracenando um diálogo,
semeando sentidos...
Veio-nos aqui a vontade, num instinto natural, inato, involuntário, 
de querer mais do que simplesmente “o querer estar certo” 
em qualquer uma das pontas.
Vela e estrela no mesmo enredo apenas, e às penas a palavra livre.
... Que este querer não deixe de ser chama intensa e 
faça de sua luz sua sombra, 
que, como por palavras fizemos o pensamento à folha,
a folha com tudo, na falta de lenha seja, ao menos, 
um suspiro a mais à chama.


_Claudiney Genilhú 
(recorte do agradável diálogo que tive com Thainá Rangel - cujo nome significa em Tupi "estrela")


“E embora estivéssemos vendo as mesmas estrelas,
estávamos infinitamente longe uns dos outros”
Jostein Gaarder (escritor norueguês)